domingo, março 23, 2008

Feliz Páscoa

Hoje o Pedro, pais, irmãos e o avô materno foram também celebrar o Domingo de Páscoa à Igreja, católica porque por tradição judaico-cristã é a religião que nos pertence. Com isto quero dizer que sempre e na qualidade de mãe achei importante delegar nos meus filhos a descoberta e posterior conhecimento da espiritualidade e daqueles valores que de certa forma são transmitidos pela comunidade cristã. O Pedro, o meu pai e eu ficamos num lugar muito próximo de donde se celebrou a missa e comparativamente com outras idas à missa foi interessante observar o grande interesse do meu filho Pedro pela cerimónia que num dia como este teve lugar na Sé de Faro. Fiquei feliz por aperceber-me que o Pedro fazia um grande esforço por perceber o que se passava à sua volta, comunicando comigo em língua gestual e dando a sua mãozinha ora na minha, ora na do meu pai e também apreensiva por aperceber-me que ainda nos dias de hoje a Igreja Católica, apologista da igualdade de oportunidades para com todos os seus membros não utilize a língua gestual para dar a conhecer a mensagem transmitidas pelos padres, nem num dia como este. A comunidade preocupa-se em transmitir conhecimentos às crianças surdas utilizando as unidades de apoio à criança e jovens surdos, no entanto existe um vazio quando pensamos na hipótese de uma criança surda ter formação religiosa e volto a repetir a católica porque é aquela que nos pertence por tradição, sendo sim o importante a descoberta e posterior conhecimento da espiritualidade. No entanto não vejo a comunidade católica preocupada na formação espiritual dos surdos. Porque será?

sábado, março 15, 2008

este país não é para deficientes

segundo post do dia. não resisto a transcrever a crónica de joão bonzinho, com o mesmo título deste post e publicada ontem no semanário sexta, distribuído com o jornal público.

tribunal de abrantes, 11 de março de 2008, sim, dois mil e oito. uma testemunha, deficiente em cadeira de rodas, chega à porta do tribunal e pára. não encontra qualquer rampa, não pode, obviamente, subir as escadas, o edifício não tem elevador, jamais conseguirá entrar na sala de audiências se não o levarem ao colo. a imagem não é de ficção mas parece de filme. a ausência de acessos para deficientes no tribunal de abrantes lembra apenas um problema que faz toda a diferença no atraso de um país que, infelizmente, está muito longe de esgotar a sua inaceitável relação com os deficientes na ridícula imagem do tribunal de abrantes.
sem qualquer base científica, atrevo-me a presumir que mais de dois terços de portugal impede os deficientes de andar, subir, descer, entrar, sair. portugal é, portanto, um país muito atrasado. não é para deficientes, também não é para velhos, como sabemos, ainda nem sequer é um país para crianças, e já nem quero referir um estudo que dá um quinto das crianças portuguesas em risco de pobreza.
em abrantes, onde o parque de estacionamento tem lugares reservados a deficientes, o ridículo não matou ninguém mas feriu ainda a dignidade da justiça. como não chovia, decidiram os juízes levar a audiência para a rua e foi na rua, à porta do tribunal, que foi ouvida a testemunha deficiente.
claro que o tribunal de abrantes é apenas um dos muitos edifícios, sobretudo edifícios do estado, nos quais não podem existir deficientes. a tal testemunha ouvida à porta do tribunal disse mesmo aos jornalistas que na sua cidade quase não consegue deslocar-se a lado algum. "a mim, sinceramente, isto só me dá vontade de rir" afirmou. valha-nos isso. rir. do país e de abrantes. enfim. tudo como dantes.

lembrei-me imediatamente do estudo da deco, publicado na última proteste, sobre 300 estações de correios. entre soleiras altas, degraus interiores e portas estreitas e pesadas, 93 apresentam obstáculos para cadeiras de rodas. apenas 11 têm plataformas elevatórias.

congregação de esforços

um dos aspectos que mais me desagrada neste processo de habilitar uma criança portadora de deficiência é a dependência em relação aos outros. nunca fui propriamente uma pessoa que confiasse na sociedade e nas outras pessoas, sempre procurei ser autossuficiente, não depender dos outros, embora cá dentro gostasse que a sociedade fosse mais fraterna, mais aberta às diferenças individuais, e tenha uma postura na vida de disponibilidade para a sociedade. não sou propriamente um bicho do mato, que vive à margem das estruturas sociais. só não confio cegamente que cada um dá o melhor de si, desconfio muitas vezes das motivações e das lógicas sociais. acredito que, se queremos mudar a sociedade, temos que o fazer por dentro, adoptando posturas de acordo com aquilo em que acreditamos. às vezes penso que a vida, ao apresentar-me este desafio que é ter um filho com deficiência, me quis dizer "tu, que tens a mania que passas bem sem os outros, que tens a mania que não precisas da sociedade para viver, que és tão crítico em relação ao seu funcionamento, vê lá se te aguentas com esta. agora cria lá este filho sem a intervenção das estruturas sociais, a ver se consegues". claro que para criar qualquer filho precisamos das estruturas sociais, quanto mais não seja da estrutura escola. mas com os irmãos do pedro conseguia-se e consegue-se gerir a questão com alguma simplicidade, falando sobre as coisas e estimulando, neles também, o espírito crítico. com o pedro é realmente diferente. precisamos da intervenção de uma série de profissionais e de estruturas. médicos, terapeutas, educadores, hospitais, escolas, associações, cada uma com a sua lógica interna de funcionamento, com as quais muitas vezes não concordo, não percebo, mas não posso pura e simplesmente virar as costas e dizer "tchau, passo muito bem sem vocês". mais, precisamos não só desses profissionais e dessas estruturas, mas também da sua articulação e congregação de esforços, pois só assim se conseguirá optimizar o potencial, já de si reduzido pelas lesões deixadas pelo maldito vírus, do pedro.

estes 8 anos com o pedro não me mostraram, de maneira nenhuma, que eu estava enganado em relação à nossa sociedade e ao seu funcionamento. se tem havido algumas estruturas que me têm surpreendido pela positiva, pelo carinho e competência com que lidam com o pedro, outras há que, apesar da boa vontade de alguns profissionais, têm lógicas de funcionamento que me escapam por completo. estruturas onde as pessoas põem o seu ego à frente da missão da estrutura que dirigem ou na qual estão integrados. a articulação e congregação de esforços tem sido mesmo a parte mais difícil de gerir. tantas vezes que tem falhado e continua a falhar. há boas estruturas que funcionam bem internamente, mas não se articulam com as outras. e quando estamos a lidar com multideficiência isto torna-se muito complicado, pois é crucial que as estruturas dialoguem umas com as outras, aprendam umas com as outras, que as pessoas estejam abertas aos conselhos e ensinamentos dos outros. da nossa parte, pais, vai surgindo um certo cansaço de estar sempre a insistir nos mesmos pontos, nas mesmas teclas: vejam lá, é preciso reunirem-se com as outras partes, falarem uns com os outros, criarem hábitos de troca e partilha de informações. regularmente e não apenas quando os chatos dos pais insistem muito.

ontem à noite vimos na rtp2 um documentário sobre os soldados norteamericanos mutilados na guerra do iraque. entrevistas pessoais sobre processos de reabiliatação, só possíveis com reais congregações de esforços multidisciplinares. próteses revolucionárias tecnologicamente, técnicas cirurgicas avançadas, fisioterapias intensivas, reabilitação psicológica, motora, funcional. e demos por nós a pensar que, se vivessemos nos estados unidos, o mais certo era o pedro já estar mais habilitado. vivemos num mundo em que a informação circula a uma velocidade impressionante. os maiores avanços da ciência estão ao alcance de um click no rato. então porquê estas assimetrias? qualquer dirigente tem a oportunidade de contactar com as mais modernas técnicas de gestão, qualquer profissional tem a oportunidade de aprender as mais modernas técnicas na sua área. é só querer.

quarta-feira, março 05, 2008

actualização

os dias voam e este blog não tem sido actualizado com a frequência com que gostaria. as solicitações na vida desta família continuam a ser múltiplas e às vezes sentimo-nos como se fossemos um lençol demasiado curto para o tamanho da cama: se esticamos para um dos lados falta do outro, se tapamos os pés não chega para cobrir os ombros. sei que os leitores habituais deste blog gostariam de uma maior frequência de posts, mas também sabem que o silêncio corresponde a rotina, porque quando as coisas se descontrolam tenho necessidade de vir aqui desabafar.

o nosso pedro está bem. começou a fazer o desmame de um dos antiepilépticos porque a neuropediatra achou que a nova droga introduzida teve efeitos positivos, embora não tenha controlado por completo os trejeitos faciais. a retirada do outro medicamento vai ser muito gradual, muito lenta, e ainda só estamos no início. para já parece-nos que o pedro está a responder bem, inclusivamente apresenta melhoras dos tais trejeitos, mas nestas coisas da epilepsia nunca se sabe. pode ser apenas coincidência e estarmos naturalmente em fase de menor actividade, ou pode realmente significar que os tais trejeitos, em vez de serem actividade epiléptica mal controlada, são efeito colateral da medicação. nunca ninguém se arrisca a afirmar coisas com certeza absoluta, nós, pais, que lidamos com ele todos os dias e observamos estas flutuações somos afinal os melhor colocados para tirarmos conclusões. de qualquer maneira acaba por ser um processo muito de tiros no escuro, de avançar às apalpadelas. quando perguntei à neuropediatra quais seriam os sinais de alarme para interromper o desmame, obtive como resposta que se ele tivesse uma convulsão era sinal para parar. pois, isso já eu sabia. queria era saber outros sinais antes de passarmos novamente por convulsões, mas, pelos vistos, tem mesmo que ser assim.

esta nova conversa com a neuropediatra decorreu em consulta de fisiatria. revisão mandatória e já um pouco atrasada em relação ao desejável. as botas adaptadas já estão bastante gastas e não podemos ir pura e simplesmente à sapataria e comprar um par novo. não, cada novo par de botas tem que passar por um processo de receita, cabimentação orçamental, aprovação, encomenda, tirar medidas, pelo menos um mês em processos borucráticos e de manufactura. falou-se novamente em cirurgia à perna direita, que terá que ser efectuada antes do pulo de crescimento do início da adolescência, ou seja, nos próximos dois anos. este é um ponto quente nas questões relacionadas com o pedro, porque a primeira que ele fez não correu lá muito bem. a próxima terá que ser muito bem ponderada, porque gato escaldado de água fria tem medo, como toda a gente sabe. o problema continua a ser que a cirurgia relacionada com a paralisia cerebral não tem grandes tradições no nosso país e não há grupos com experiência suficiente para garantir o sucesso e que não sejam feitas asneiras, e a hipótese de recorrer a grupos estrangeiros implica uma logística familiar muito complicada. assunto no horizonte, portanto, o que tiver que ser, será. para os próximos tempos, botas novas, talas, standing-frame, os gadgets do costume.

quanto à autonomia, há a registar que deixámos de utilizar as cadeirinhas de segurança nos carros. embora o pedro ainda as devesse utilizar, a verdade é que lhe complicavam todas as manobras relacionadas com entrar, estar e sair dos veículos. sem a cadeirinha tudo se torna mais fácil e ele já consegue fazer os movimentos todos sem ajuda e viaja agora muito mais confortável. são pequenas coisas que nos tornam a vida mais perto da normalidade. ponderar entre o que é legal, recomendável, e o que é prático é mais uma das coisas que temos que fazer.

como será fácil de imaginar, muitas coisas mais se passaram nestas três semanas de silêncio blogosférico, mas não cabe tudo neste post. fica aqui a promessa de uma pausa mais curta até nova postagem.